sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

“ROLEZINHO” E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Muito se tem discutido, ultimamente, acerca dos chamados “rolezinhos”, que são os encontros de milhares de jovens em “shopping centers” para, segundo eles, “curtirem”, “paquerarem” e “passearem”.

Antes de adentrar ao mérito da questão, cabe ressaltar aqui que não somos contra o direito de ir e vir das pessoas, seja de qual classe social for. É direito fundamental dos mais importantes, e não pode ser negado. Mas também não pode ser tolerado ou considerado correto o “direito de reunião” de centenas ou milhares de pessoas em espaços eminentemente privados e sem estrutura para tanto, como é o caso dos centros de compras fechados.

Abre-se parênteses para se destacar que os shoppings são, sim, estabelecimentos privados. O fato de serem espaços abertos ao público não implica em comprometimento dessa natureza. Os centros comerciais poderiam, a exemplo do que acontece em boates e congêneres, revistar as pessoas para impedir o acesso aos portadores de arma de fogo. Não  fazem apenas por questão prática ou de conveniência, ou mesmo para não desestimular o consumo e os freqüentadores.

Vale também ressaltar que os ambientes dos centros comerciais hoje são freqüentados por todas as classes sociais. Assim, resta dizer que não passa de falácia o fato de que há discriminação ou mesmo um “apartheid social” no Brasil. Existe uma convivência étnica pacífica, com brancos, pardos e negros em todas as classes sociais, diferente da realidade africana, por exemplo. O que há aqui, e em qualquer lugar do mundo da linhagem dita “capitalista”, é uma “seletividade” econômica, própria desse modo de produção. Nessa linha de raciocínio, temos que só os ricos freqüentam os restaurantes ou boates caríssimas, por exemplo. E fica a pergunta: incorrem em discriminação esses estabelecimentos? Não. É um legítimo direito do ofertante (ou comerciante) querer atingir uma determinada faixa econômica através de estabelecimento privado. Isso se chama “livre iniciativa” e é salutar, importante para o desenvolvimento do país. Isso é capitalismo.  Para o vácuo social, ou distância existente entre as classes sociais, resta ao governo melhorar a qualidade do ensino público, de modo a permitir  iguais oportunidades - a partir dessa premissa, os melhores certamente se sobressairão, conseguindo os melhores empregos e auferindo maiores rendas.

Voltando à questão do direito de reunião, vamos às ponderações sobre o porquê da nossa opinião contrária à prática de “rolezinhos” em shopping centers.

A uma, porque toda reunião com aglomeração grande de pessoas representa, em tese, um aumento da insegurança do local para as outras pessoas não participantes do encontro. Como aconteceu nos protestos durante a Copa das Confederações em 2013, muitos “participantes” irão para tais reuniões com “segundas intenções” ou mesmo para se aproveitar da situação, a exemplo de saques, furtos, estímulo à correria, depredações. É difícil prever o comportamento das pessoas aglutinadas em milhares, ainda mais em um espaço fechado. Em Belo Horizonte, no ano de 2013, noticiou-se exaustivamente nas rádios da capital um “rolezinho” no Shopping Del Rey, cujo único objetivo era demonstrar o poderio de uma turma de um bairro sobre outra, numa autêntica briga de gangues. Várias lojas, diante do caos e da correria, tiveram que baixar suas portas para evitar o pior. Sempre ocorre isso? Não sei. Mas pode acontecer. E essa incerteza já é suficiente para que o centro de compras tenha que tomar providências para se evitar o pior.

A duas, porque a finalidade do espaço comercial é privada, qual seja, o comércio de produtos e serviços. Dentro da normalidade, com a livre circulação das pessoas em pequenos grupos ou famílias, é possível, e até aconselhável, divertir-se em shoppings como, por exemplo, ir ao cinema, almoçar em um restaurante, etc. Mas marcar uma reunião de mil, duas mil pessoas nesses locais não se revela adequado, pelas razões de segurança já elencadas acima. Aliás, é bom que se diga, toda reunião em espaço público, a exemplo de praças e avenidas, deve ser previamente comunicada à autoridade competente, para as devidas providências decorrentes da utilização do local (segurança, trânsito, etc).

Em terceiro lugar, devemos estar atentos ao fato de que os direitos fundamentais não são absolutos. Assim, ao direito de reunião dos “rolezistas” em ambiente privado fechado contrapõe-se o direito de ir e vir das outras pessoas, o direito à segurança, o direito ao lazer, à vida, o direito de propriedade, o direito à livre iniciativa e o direito ao trabalho das pessoas que ali estão. Em um ambiente privado, estritamente comercial, devem prevalecer os últimos citados. Entrar no centro comercial, sim. Passear, sim. Comprar, também. Ir ao cinema, recomendável. Mas fazer reunião de centenas ou milhares de pessoas em um ambiente privado, não.

Assim, a marcação de reuniões em centros comerciais privados fechados me soa inadequado. Ao Shopping, afastada a hipótese de “seletividade” na porta do estabelecimento, por estar contrária a direitos fundamentais e ser de difícil colocação prática, resta cerrar as portas nos horários de encontro marcados nas redes sociais para se evitar o tumulto e o risco à segurança dos freqüentadores do espaço. Por outro lado, caso não fique claro a data correta dos encontros, cabe ao shopping, através dos seguranças do local, monitorar a aglomeração que se formará e tomar providências no sentido de dissipá-la o quanto antes. São medidas de segurança que não afetam em nada direitos individuais e buscam a preservação da convivência harmônica em sociedade.  Tais decisões do estabelecimento comercial não seriam “discriminatórias” nem tampouco arbitrárias. São decisões privadas, do dono do estabelecimento, que não se resolvem, e nem devem ser resolvidas, no âmbito dos Tribunais. Aliás, medidas judiciais são até inadequadas por não haver, nesses “rolezinhos”, um líder declarado ou que possa responder pelos atos ilícitos eventualmente praticados. É uma massa sem rosto definido ou sem um rosto que possa ser responsabilizado, seja civilmente, seja penalmente. O shopping, desse modo, deve ter uma atitude ativa de enfrentamento da prática (cerrando portas ou dissipando multidões, como já ressaltado) e passiva no que tange aos Tribunais, sem incorrer em abusos e práticas contrárias ao ordenamento jurídico.

Antes de tudo, o bom senso deve prevalecer, de modo a desestimular a prática que em nada contribui para o desenvolvimento social de nosso país. Comportamentos civilizados e educados devem ser a regra em uma sociedade que quer evoluir.